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Stonewall: território de disputa

Atualizado: 13 de ago. de 2020

Por Dani Vas


Este não é um texto que busca contar a história do que foi a Revolta de Stonewall. Muitos já deram conta disso, de textos de revistas, a páginas em portais públicos, a filmes e livros. Particularmente, acho a página da Wikipédia bastante completa, ainda que confusa em certos detalhes. Meu propósito, aqui, é poder jogar luz a noção de que a Revolta de Stonewall não foi um movimento pelo amor e protagonizado por homens brancos gays, como se costuma a entender por aí.


Muitos podem argumentar que não faz sentido falar em bissexualidade no final da década de 60 e que na Revolta não haviam pessoa que se entendessem bi, mesmo que pessoas “praticassem” a bissexualidade, como se ela fosse um comportamento sexual, desconexo de uma identidade. Sabemos que isso não é verdade e temos vários sinais que mostram que bissexuais já estavam presentes na Revolta de Stonewall. Os primeiros nomes a serem lembrados são os da própria Marsha P. Johnson e da Sylvia Rivera, ícones do movimento e símbolo de luta. Marsha e Sylvia são lembradas enquanto referências gays. Importa menos, aqui, se elas de fato estavam na data da revolta ou não, já que existe ainda muito debate referente a isso, mas não deveria estar em discussão a identidade delas. São duas mulheres trans e bissexuais, uma negra e outra latina, que se tornaram líderes do movimento de Liberação Gay (como ele ficou conhecido).



Sylvia Rivera e Marsha P. Johnson


Na toada do que foi a Revolta de Stonewall, é essencial a gente lembrar de que ela não foi um inciativa alegre pelo direito de amar. Outros grupos já vinham fazendo isso em anos anteriores, com pouquíssimo efeito e alcance na sociedade. Ela foi uma resposta a violência policial, que há tanto vinha atacando as pessoas LGBT+. Inclusive, em 1966 aconteceu uma pequena revolta por conta da truculência policial a pessoas trans, na cafeteria Compton's, marcando o incio do ativismo trans. O contexto da época era o seguinte: apenas sete anos antes, em 1962, a homossexualidade havia começado a ser descriminalizada, embora Nova York ainda fosse muito rígida nesse sentido. Demonstrações públicas de afeto homofilas eram crime e as pessoa condenadas poderiam ser desde encarceradas até mortas. Existiam pouquíssimos lugares que promovessem algum grau de segurança e liberdade para as vivências LGBT+ da época, a maioria sendo bares. O Stonewall Inn era propriedade da máfia local, que vendia bebida adulterada, sem licença, a preços exorbitantes. Para garantir seu funcionamento, pagava propina para a polícia, que em troca realizava menos vistorias e, quando fosse realizar uma batida policial, os donos do bar eram avisados antes. Isso não evitava que pessoas fossem constrangidas, humilhadas e presas, a cada batida.


A Revolta de Stonewall se deu na madrugada do dia 28 de junho de 1969, em que a polícia chegou ainda mais truculenta e os usuário do bar se recusaram a cooperar. Resistiram às prisões, fizeram os policiais de chacota, dançando e cantando de forma a desmoraliza-los, e partiram para a resistência física, atacando os policiais com moedas, tijolos, pedras e incendiando lixeiras. O próprio Stonewall Inn ficou destruído. Importante lembrar de Stormé Delarverie, uma mulher lésbica negra que deu o primeiro soco nos policiais. Esse dia foi o primeiro de uma sequência de resistências a brutalidade policial, que veio a mudar o mundo. Movimentos ao longo de todos os Estados Unidos surgiram e começaram a fazer frente, erguendo e manifestando vozes cansadas e feridas, num basta a toda a violência que vinham sofrendo.


Entre os efeitos que surgiram pós Stonewall podemos falar da primeira parada do orgulho LGBT+, no ano seguinte, criado pela bissexual Brenda Howards. Ela, que é constantemente apagada da história do movimento LGBT+, é conhecida como mãe do orgulho (mother of pride, em inglês). A própria ideia de “pride” é proposta por ela, por L. Craig Schoonmaker, um ativista gay, e por Stephen Donaldson (Donny The Punk). Donny The Punk, inclusive, fez parte do primeiro movimento bissexual ativista, fazendo parte da "Ithaca Statement on Bisexuality" em 1972, levantando voz contra um sofrimento especifico que pessoas bissexuais vivem, a que hoje chamamos de bifobia. Se três anos depois da Revolta de Stonewall podemos já pensar em ativismo bi e falar em bifobia, é porque isso já via sendo maturada há pelo menos alguns anos. Sobre Danny The Punk, Kaique Fontes fala um pouco num texto que já publicamos e sobre a Brenda a gente ainda vai falar dela especificamente.


Como muitas pessoas trans bem lembram, a luta não é pelo direito de amar, mas pelo direito de existir. Em 1969, as pessoas enfrentaram a polícia para poder existir em público, demonstrando seus corpos, suas vivências, seus afetos. Não mais viver em bares sem infraestrutura básica, controlado pela máfia, bebendo bebidas adulteradas e com preços exorbitantes. Tomar controle das suas vidas sem medo de ser quem são. Se hoje ser LGBT+ é menos horrível do que era então, não podemos esquecer que estamos no país que mais mata pessoas trans. Temos de lembrar que as pessoas bissexuais apresentam os piores índices de saúde mental dentre as orientações sexuais. E temos de lembrar que nossos direitos não vieram de forma pacífica, e sim fruto de luta contra a brutalidade policial, um problema que continua ainda presente e afetando a vida de muitos, em especial das pessoas negras.


Se aprendemos algo com a revolta de Stonewall, esse é o momento de colocar esses ensinamentos em prática.

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