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Vamos falar de referências?

Atualizado: 22 de jun. de 2020

Por Kaique Fontes


É bastante comum conversar com colegas ativistas das outras letras e ouvi-los falar sobre suas referências. Quando paramos para pensar no LGT – e cito aqui o T apenas como detentor de referências importantes, não necessariamente tão visíveis quanto L e G – nós temos na ponta da língua VÁRIOS nomes que revolucionaram não apenas seus segmentos individualmente, mas toda a luta pela diversidade sexual e de gênero ao longo de nossa história enquanto movimento social. Vou me poupar de citá-los nesse momento e propor uma reflexão que fundamenta esse texto: quantas vezes nessas conversas são citadas bissexuais, quer dizer, quantas pessoas bissexuais são citadas sem que sua bissexualidade seja lembrada ou tratada como importante para o movimento?


Ao contrário do que muitas pessoas pensam, bissexuais sempre somaram as lutas que garantiram direitos e visibilidade de pessoas LGBTQIAP+ num geral, isso quando não encabeçaram momentos históricos! Podemos pensar em diversos motivos pelos quais se dá o apagamento de tais fatos, sendo o principal deles o modo como nossa sociedade se estrutura favorecendo relações monossexuais, fazendo com que nossas lutas e conquistas acabem sendo diminuídas.


Mas afinal, quem são nossas referências e por quais motivos devemos lembrar desses nomes?


Em 2020 comemoramos os 51 anos desde a Revolta de Stonewall (1969), momento que marca o início dos movimentos sociais em prol de direitos LGBTQIAP+ como conhecemos hoje. Anteriormente, o movimento já se manifestava contra repressões policiais, como por exemplo, em 1966 na Gene Compton’s Cafeteria em São Francisco. Mulheres trans se posicionam contra o abuso policial, causando protestos e defendendo o direito de frequentarem o local.


Em Stonewall, uma série de protestos organizados em resposta à brutalidade policial contra as pessoas que frequentavam o bar na época. É importante ressaltar que na época haviam poucos espaços onde as pessoas podiam expressar sexualidade e gênero livremente, sendo Stonewall Inn um dos locais em que eram acolhidos não apenas homens gays, mas todo tipo de orientação sexual ou expressão de gênero.


No final dos anos 60 cresciam os movimentos sociais relacionados a pautas raciais e em decorrência dos protestos de Stonewall, inicia-se uma organização maior em relação a diversidade. É comum vermos Marsha P. Johnson e Sylvia Riviera serem citadas pelos serviços prestados a comunidade, sendo ambas mulheres trans e BISSEXUAIS, que já eram ativas em outros movimentos sociais. Marsha, drag queen, negra e bissexual, ficou mundialmente conhecida como um dos nomes mais importantes da Revolta de Stonewall junto com Sylvia, mulher trans e bissexual que já defendia direitos de mulheres trans em eventos feministas da época.


Quando ouvimos falar sobre os eventos de 1969, é senso comum que apesar de serem mulheres trans e bissexuais, Marsha e Sylvia sejam lembradas apenas como ícones gay, por conta das organizações sociais que se surgiram após os protestos. Pouco se fala sobre a sexualidade de ambas além de relatos de amigos e conhecidos, mas ativistas bissexuais fazem questão de dar luz a algo que é constituinte na construção de um movimento bissexual nos anos que se seguiram após os eventos.


Um mês após os acontecimentos de Stonewall Inn, a ativista bissexual Brenda Howard organizou um protesto de comemoração. Um ano após os eventos, Brenda forma um comitê de organização para o primeiro aniversário da Revolta, encabeçando a primeira Gay Pride Week e então a Christopher Street Liberation Day Parade, conhecida como a primeira parada do orgulho, dando origem aos eventos que ocorrem mundialmente. Brenda Howard é considerada “mãe do orgulho” (Mother of Pride, em inglês) e participou ativamente das primeiras organizações sociais para direitos LGBTQIAP+, Gay Liberation Front e Gay Activists’ Alliance.


Brenda sempre se declarou bissexual e foi ativa na luta por direitos e visibilidade de todas as letras, em especial o B, tendo sido chave para o aumento do ativismo bissexual que se fortaleceu nos Estados Unidos nos anos 70, dando origem ao National Bisexual Liberation Group (1972).


Stephen Donaldson (Donny The Punk) foi um ativista bissexual, pioneiro dos primeiros movimentos bissexuais. Numa época em que ser LGBTQIAP+ ainda era considerado crime, Donny participou das primeiras alianças universitárias em prol dos direitos de diversidade sexual e de gênero. Foi expulso do exército por envolvimento homossexual e em 1972, passa a se identificar como bissexual e inicia formalmente seu ativismo. Tendo participado da "Ithaca Statement on Bisexuality", considerada a primeira declaração oficial do movimento bissexual, foi uma das primeiras pessoas a considerar um tipo de preconceito especifico que bissexuais sofriam (hoje, bifobia). Donny, Brenda Howard e o ativista gay L. Craig Schoonmaker são os responsáveis pela idealização da palavra “pride” para se referir aos eventos ligados ao movimento LGBTQIAP+ da época que se estende até hoje. Em 1973 foi preso e foi um dos pioneiros a denunciar o acontecimento de estupros nas prisões masculinas, posteriormente criando uma organização para combater a violência sexual nas prisões.


Em 1975 inaugura-se o San Francisco Bisexual Center. Alan Rockway, ativista bissexual, ajuda a escrever a primeira cartilha de demandas para direitos LGBTQIAP+. Em 1977, o San Francisco Bisexual Center ajuda a organizar coletivas de imprensa com ativistas lésbicas em respostas a propostas de leis anti-LGBTQIAP+.


No ano de 1978, Fred (Fritz) Klein (ativista bissexual, pesquisador e psiquiatra) publica o livro “The Bisexual Option: A Concept of One Hundred Percent Intimacy”, que aborda facetas da bissexualidade em nível acadêmico, respeitando as práticas bissexuais da época e apresentando a Grade de Orientação Sexual Klein, como alternativa a escala Kinsey que classificava pessoas bissexuais como parcialmente hetero ou homossexuais. Em 1982 se muda para San Diego, onde posteriormente funda o The American Institute of Bisexuality, Inc. (AIB) e em decorrência da falta de produção acadêmica acerca de bissexualidade, cria o Journal Of Bisexuality. As publicações de Fritz ajudam a fundamentar o conhecimento da diversidade sexual para além do que na época era considerado norma e pavimenta a possibilidade de orientações sexuais para além de apenas bissexualidade.


Em 1983, surge a primeira organização política focada em bissexualidade, chamada BiPOL. No mesmo ano, Robyn Ochs, ativista bissexual, participa da fundação da Boston Bisexual Network.


No ano seguinte, por pressão do ativista David Lourea (BiPOL), o Departamento de Saúde Pública de São Francisco foi convencido a incluir homens bissexuais nas estatísticas de AIDS da época. Lani Ka'ahumanu (BiPOL) organizou com outras mulheres bissexuais marchas feministas e implementou a Ação de Visibilidade, que convidava pessoas bissexuais a se unirem politicamente fora de movimentos gays e lésbicos por reivindicações específicas. Em 1985, Robyn Ochs cria o Bisexual Resource Center. A ativista foi a primeira pessoa a propor a definição de bissexualidade como sendo a atração pelo próprio gênero e outros, não necessariamente como atração binária.


Ativistas bissexuais sempre impulsionaram a luta pelos direitos de pessoas que fugiam da cisheteronormatividade, ao mesmo tempo que por muitos anos, tiveram sua existência negada e constantemente invalidada dentro do movimento que ajudaram a erguer. Nos anos 90, quando o movimento bissexual americano começa a se organizar politicamente de maneira independente, enfrenta repressão política de movimentos gays e lésbicos. Nos anos 80, a comunidade LG se revolta contra pessoas bissexuais, culpando-nos efetivamente como vetores da doença e causa de morte de muitos homens gays e mulheres lésbicas na época.


Em 1991 – um ano após a publicação do Bisexual Manifest (1990) na revista Anything That Moves (organizada por bissexuais, para bissexuais) – a revista Outweek publica uma matéria escrita por Carrie Wofford intitulada “The Bisexual Revolution: deluded closeted cases or the vanguard of the movement?”, trazendo relatos violentos de homens gays e mulheres lésbicas ativamente invalidando o movimento bissexual (que já se mostrava estruturado em suas organizações), proferindo falas extremamente machistas e bifóbicas as quais não traduzirei aqui.​


Mas e no Brasil? Onde estão os bissexuais nos movimentos sociais?


Nós temos uma história extensa de movimento social brasileiro, que quando revisitada, é notável o protagonismo de gays e posteriormente, apresenta movimentos lésbicos. Os avanços em relação a inclusão de pessoas bissexuais e transexuais aparecem apenas mais tarde. É de conhecimento geral que a sigla usada no Brasil para falar sobre espaços exclusivos para pessoas LGBTQIAP+ era GLS (Gays, Lésbicas e Simpatizantes). Bissexuais e transexuais sempre integraram o movimento de diversidade sexual e de gênero no Brasil, mas nunca com destaque ou visibilidade.


Regina Facchini – socióloga, autora e ativista bissexual – comenta no blog Espaço B sobre a participação de pessoas bissexuais em movimentos conjuntos. Do dia 6 ao dia 8 de agosto de 2004 ocorreu o II Encontro Paulista GLBT, sendo a primeira vez que bissexuais puderam participar de forma politicamente organizada de um encontro do movimento brasileiro. Estão listados no texto os estigmas bifóbicos que se seguiram durante (até o momento) 30 anos de movimento LGBTQIAP+ no Brasil, seguindo do final dos anos 70 até o início dos 2000. Ativistas bissexuais da época pautaram criação de redes, visibilidade, movimentação no ativismo geral para desmistificar ideias preconceituosas sobre a bissexualidade e adoção de estratégias para combater a homofobia sem que isso fosse um combate à bissexualidade. O movimento bissexual brasileiro passa, a partir daquele momento, a se distanciar da ideia de estar integrado ao movimento homossexual apresentando demandas próprias.


Em carta aberta aos organizadores e participantes do Congresso da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT) de 2005, ativistas bissexuais tentam sensibilizar os presentes quanto à necessidade de falar sobre bissexualidade e o acolhimento da atuação organizada de bissexuais no movimento brasileiro da época. Em conjunto com isso, no ano de 2005 é criado o Coletivo Brasileiro Bissexual (CBB), sendo composto por participantes de diversos lugares do Brasil, incluindo Brasília, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo.


Em agosto de 2007 ocorre a dissolução do CBB por divergências no processo de indicação de representantes para a participação do Seminário Nacional de Saúde de GLBTT. O texto se encerra com o seguinte trecho:


“Reafirmamos ainda nossa crença na importância da articulação em âmbito nacional. No entanto, entendemos que nos voltarmos prioritariamente ao fortalecimento das ações locais e regionais é estratégico para a estruturação do movimento em favor dos direitos de bissexuais e que a retomada do projeto de uma Rede Nacional pode ser feita assim que as bases do movimento estejam mais fortalecidas.”


Nós não conhecemos a história do movimento bissexual no Brasil e não conhecemos os nomes das pessoas que pavimentaram o caminho para que coletivos como o Bi-Sides existissem, além dos nomes citados no blog Espaço B na dissolução no CBB.


O movimento bissexual no Brasil tem apenas 16 anos e nossas referências, principalmente as nacionais, ainda estão sendo construídas e estabelecidas. Nossas pautas são as MESMAS, nossa organização ainda é prematura, enquanto movimento social. Nossas bases ainda estão se fortalecendo, usando de referência o ativismo das pessoas citadas neste mesmo texto. O ativismo bissexual resiste há mais de 50 anos, a bissexualidade está presente desde sempre e traz referências importantes e significativas na luta pelos direitos sexuais e de identidade de gênero. Nós precisamos que essas informações sejam disseminadas, precisamos lembrar quem somos e fortalecer uma base histórica que SEMPRE ESTEVE AQUI. Reforço aqui o incentivo à leitura desses textos, o hábito de compartilhar referências e a memória de uma história de resistência e participação ATIVA de bissexuais no movimento LGBTQIAP+ dentro e fora do Brasil.


E não se esqueça que na próxima discussão com os colegas ativistas já teremos alguns nomes bissexuais pra citar 😊


Fontes:

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