É de 2005, mas ainda vale a crítica (sempre vale a crítica)
A famosa capa da Ana Carolina dizendo “Bi, e daí?” na Veja, foi acompanhada de uma matéria que é ótima pra fazer o bingo do apagamento. Aqui tem um link naofo.de pra matéria e abaixo passo a detalhar o chorume:
Ana Carolina diz ser bi numa entrevista e a revista aproveita para deslegitimar toda a história do movimento LGBT com o clássico “deixa disso” somos todos modernos e lutar por direitos não tá mais na moda, nós cis héteros brancos ricos já te toleramos 🙂 <3
Então não é só o caso que quero mostrar aqui de apagamento bissexual, é também uma matéria extremamente LGBTfóbica que faz mil manobras para parecer legal e encucar em todos que somos moderninhos e esse negócio de luta é do passado, somos todos Ana Carolina (porém não todos bi, pera lá).
E sobre todo o resto (que é na verdade o objetivo principal da matéria) tem esse texto aqui do Observatório da Imprensa que faz uma análise excelente, é de 2006 e não foca na bissexualidade, embora faça um comentário a respeito que considero relevante:
Ao propor a bissexualidade, Camille Paglia o faz a partir de sua auto-identificação pública de lésbica e buscando uma forma de “escapar das animosidades e falsas polaridades da atual guerra dos sexos”, nunca sob uma forma oportunística de quem almeja a redução nos elevados custos de uma identificação pública como lésbica. Sabe que, no momento atual, a identificação com uma prática estigmatizada possui profundo significado político.
O parágrafo cita uma autora bissexual e feminista citada por Ana Carolina para justificar sua despolitizaçao e basicamente faz frente à generalização bifóbica de que toda declaração de bissexualidade é medo de sair do armário e/ou querer aproveitar privilégio hétero. E na última frase sutilmente joga no colo da Ana Carolina a responsabilidade da qual ela tanto quer se livrar com a ajuda dos aplausos da Veja.
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Agora, com vocês, trechos da Veja:
E, é importante frisar, sem ter a mínima intenção de fazer proselitismo em favor de causas políticas. “Sou contra essa postura de levantar bandeiras para defender o homossexualismo, pois fica parecendo que ser gay é uma doença”, diz.
Homossexualismo
Gay = LGBT
PROSELITISMO
Ser “contra essa postura”, imagino se ela prefere que a gente não tenha nenhum direito civil ou algo do tipo, que só existem porque alguém levantou bandeira. Estamos de acordo que não querer fazer ativismo não é o mesmo que ser contra quem faz? E que ninguém é obrigado a fazer mas que por favor não fode? Ótimo.
E exatamente por quê fica parecendo que ser gay é uma doença?
Os shows de Ana Carolina têm público eclético. Há fãs lésbicas que bradam palavras de ordem enquanto ela entoa baladas românticas, e também casais heterossexuais.
Eclético formado apenas por lésbicas e casais hétero. Se não fosse pela Ana Carolina, única pessoa bi no local. As lésbicas que bradam palavras devem bradar algo tipo “somos lésbicas e não bi” “gostamos exclusivamente de mulheres” ou coisas assim, pelo que torna fácil identificá-las como tal. Os casais por outro lado são todos hétero, as lésbicas por alguma razão não namoram. Gay não existe (o que é algo surpreendente já que no microcosmo dos show da Ana Carolina até bi – apenas 1(uma), ela mesma – existe! Realmente não esperava isso).
Atitudes como a de Ana Carolina atraem dois tipos de oposição. Sua maneira de falar de sexo parece ultrajante para os conservadores, mas também incomoda muitos homossexuais aguerridos, que gostariam de vê-la empunhando a bandeira do arco-íris.
Homossexuais aguerridos, do famoso movimento GGGL. Já nós do movimento B estamos sussa. E repetição desnecessária de “ela não levanta a bandeira” ok já entendemos.
Ana Carolina pertence a uma era pós-engajamento. Parte da militância não se conforma com suas negativas a se apresentar na Parada Gay paulistana ou em casas noturnas voltadas a esse público. “Acho que passeatas e discursos no estilo ‘nós, os homossexuais’ só alimentam uma visão estereotipada”, diz.
Me parece uma bobagem que cobrem coisas como ir a Parada Gay (que é apenas uma instância de luta, se é que ainda tem algo de luta aí) ou em balada “voltada a esse público”, até mesmo cobrar qualquer tipo de militância, cada um faz o que quer, mas ela não apresenta nenhuma argumentação de porque o movimento alimenta uma visão esteriotipada. É bom lembrar, porém, que nós bis estamos livres disso, porque “nós, os homossexuais” não somos bi. Opa!
E era pós-engajamento? Oi? Veja invantando eras, porque não estou impressionada? Quando vi isso cheguei a acreditar ingenuamente que essa poderia ser uma expressão cunhada por algum(a) profissional das áreas de humanas, com artigos explicando etc mas um resultado de apenas uma página do google com quase tudo Veja me faz ver que não é mais que um artificio para silenciar a TODES LGBT, não só bissexuais.
Há séries leves como Will & Grace e apimentadas como The L Word, sobre um grupo de lésbicas glamourosas de Los Angeles.
Lésbicas glamurousas. Não, não tem nenhuma bi na série, na matéria da Veja sim, na série não. Tudo bem que L World não é a série favorita do movimento bissexual, tá cheio de crítica por aí com relação a isso, mas sim, tem personagens bissexuais. Inclusive num dos primeiros episódios a bissexual Alice sobre bifobia das amigas lésbicas.
Retratar a homossexualidade, contudo, é diferente de assumi-la – mais ainda da maneira como Ana Carolina faz.
Mais ainda como faz Ana Carolina, que assume bi e não homossexualidade, ou seje.
[…]diz Sônia Alves, diretora do instituto DataGLS, que pesquisa o público gay.
Gay = LGBT (2ª vez)
“Ainda não é fácil se assumir. Se fosse realmente fácil, teríamos um monte de atrizes e cantoras se revelando homossexuais”, diz o escritor e militante João Silvério Trevisan.
Ainda bem que somos bi e já nos revelamos agora o tempo todo né.
Um levantamento recém-concluído com 10.260 homossexuais brasileiros mostra que hoje eles se assumem mais e mais cedo.
Quero ver como fizeram um levantamento com 10.260 pessoas não hétero garantindo que fossem todas monossexuais. Intrigante.
Uma das teses levantadas pela pesquisa da MTV é a de que existe um aumento da tolerância, mesmo que não da aceitação, relativamente aos gays.
Gays = LGBT (3ª vez)
Como observam os psicólogos – inclusive para tranqüilizar pais preocupados –, essa atitude não significa que as meninas sejam ou venham a ser necessariamente lésbicas.
Podem ficar tranquilos, pais, elas não são lésbicas, ufa! Imagina se fossem né, que terror (mas talvez sejam bi como O FUCKING TÍTULO DA MATÉRIA? Mas não, sabemos que querem dizer hétero aqui).
E claro, apagar bis numa matéria sobre uma bi não é suficiente, também tem que corroborar preocupação de pais homofóbicos. Sério, veja, assim de explícito?
Obviamente, constatar isso, e compreender essa nova visão naturalizada da sexualidade, não equivale a incentivar nem muito menos a convidar todos a uma vida gay. Como diria o intelectual brasileiro Roberto Campos, parodiando os lordes ingleses: “Agora que tornamos a homossexualidade aceitável, não precisamos dar o último passo e torná-la obrigatória”.
QUÊ????????
Ok, fomos bastante longe aqui… quer dizer que heterossexualidade compulsória existe e tudo bem mas OLHA GAYS FIQUEM AÍ DE BOA NÃO ME CONVERTAM Q SOU É MACHO.
Ou, nas palavras de Rita Colaço: “Uma sociedade democrática, respeitosa para com as liberdades pessoais, onde seus habitantes tivessem a segurança de estarem a salvo de processos de desqualificação social e mesmo de violência física fundados no modo pelo qual expressam seus desejos de afeto e sexo, não teria por que imaginar uma fantasiosa homossexualidade compulsória como a que alguns setores ainda insistem em defender para a heterossexualidade.” (negrito meu)
Tchau, jornalismo.
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