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Sobre (não ter) passabilidade hétero

Gente bi se fode bastante num geral. Bissexuais, dentre as orientações sexuais, têm maiores índices de abusos, violências sexuais e taxas de suicídio. Nós somos desvalidados o tempo todo e sentimos os efeitos da bifobia na pele, carregando o grupo nas costas. Quando não é com a gente é com algum amigo, conhecido ou até estranho que alguém contou numa roda qualquer de bar. E o que mais achei absurdo quando entrei nesse mundo do ativismo foi descobrir que as piores bostas vem de dentro do movimento lgbt+. A galera Hétero Cis™️ chama a gente de sapa e viado, taca lâmpada em nós e fica por isso. Mas lgbt+, não. Ouvimos de gay que bi tá enrustido e tá com medo de se assumir gay também. Ouvimos de lésbica que mulher bi é depósito de porra e só sabe fetichizar mulher lésbica. Ouvimos que bissexual é binarista, sendo que tem várias pessoas que se dizem não binárias e bissexuais, e são apagadas. Ou a gente não existe ou, quando existe, é promíscuo, indeciso, confuso. E dentre os vários chorumes que a gente é obrigado a ouvir, tem a de que bifobia não existe porque a gente tem passabilidade hétero. E o que caralhos é passabilidade hétero, vocês me perguntam? É a ideia de que como poderíamos nos passar como heterossexuais, não sofreríamos tanto na rua.


Eu explico.


Você tá lá, feliz e serelepe, andando de mãos dadas com crush, que é uma pessoa do gênero "oposto" ao teu - vale notar que essa história de passabilidade hétero é um rolê bem cissexista. Você tá passeando no parque ou então foi festejar na Parada lgbt+ da sua cidade. Galera vai olhar e pensar que é um “casal hétero”. Não vão ver uma ou duas pessoas lgbt+ ali. Vão até perguntar o que merda cê tá fazendo numa passeata de orgulho sexual. Mas não é só isso. Passabilidade hétero é o quando você não tem cara de viado ou de sapatão. Você é bem másculo ou bem feminina e ninguém vai pensar que você é lgbt+, que você pode ser bissexual. E isso abre toda uma discussão de como pessoas bi sofreriam menos, por supostamente não passar por discriminação na rua. Ou que sofrem menos que gay e lésbica, que “sofreriam em tempo integral”.


O problema desse tipo de pensar é que ignora todas as outras formas de opressão que a bifobia ganha. Ignora todas as coisas que eu já falei lá em cima. Ignora a invisibilização, os estupros corretivos, a fetichização, a sensação de não pertencimento, o sentimento de solidão, as expulsões de casa, os abusos físicos e morais. Falam para gente que vamos trair elas num relacionamento, trocar por uma pessoa do outro gênero, por alguma genitália. Não querem beijar a gente por conta da saliva de gente de outro gênero na nossa boca. Vai sentindo essas paradas escatológicas aí.


Para mim, o mais louco é que eu não tenho ideia de como é ter a tal da passabilidade hétero. É só eu abrir a boca que geral já me lê como bicha. Em baladas, eu dificilmente consigo chegar em garotas porque elas acham que eu tô só na zoeira, quando às vezes eu tô tentando flertar. Não vêem a possibilidade de eu poder me atrair por mulheres e, dessa forma, eu deixo também de ser uma pessoa desejável. Eu consigo ficar com caras com mais facilidade justamente porque sou lido como gay e, em cima disso, lido como objeto a ser consumido, que é uma sensação bem comum para qualquer um que já tenha se relacionado com homens cis de alguma maneira. É sempre uma surpresa para os outros quando eu digo que sou bi, que gosto de mulheres, que eu não gosto só de homens e sim de mais outros vários gêneros. É tão marginalizado esse meu afeto por mulheres que eu, vira e mexe, fico questionando minha sexualidade, me perguntando se eu não sou gay, no final das contas. A polícia monossexual controla tanto por quem a gente pode ou não pode se relacionar, que perdemos nosso chão e passamos, inclusive, a ficar com medo de tentar criar vínculos.


É por isso que nesse mês da visibilidade bissexual, neste 23 de setembro, fica aqui o meu mais sincero foda-se para todas as bostas que jogam para cima de mim e de meus amigos e companheiros de luta. Bifobia é mato e a gente é flor que ousa nascer e desafiar a norma. Eu deixo, para vocês, uma foto do que é a tal da passabilidade hétero que vocês tanto falam. Porque eu sou fabuloso e não vai ser uns monossexuais que vão me diminuir. Um beijo no chifre do unicórnio e me procura no roxo do arco-íris.



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