Estamos no mês do orgulho, Junho. Também estamos num mês de protestos nos EUA que tiveram como estopim o assassinato de George Floyd, por violência polícial e racismo. Como já falamos no começo da semana, o mês do orgulho existe por causa de um protesto também contra a violencia policial, dessa vez contra pessoas LGBTQIA+, começado por duas mulheres trans, bissexuais e de cor. Nada mais autentico num mês do orgulho do que protestos por direitos.
Infelizmente essa violencia e opressão não acabou em 1969 depois de Stonewall, e é o que o Jornal de Liberação Trans da Philadelfia relata em sua carta aberta. Eles mencionam ataques em diversas situações e em diversos lugarem para então falar quem são e quais são suas demandas para a sociedade, demandas essas que cinquenta anos depois ainda não foram aceitas.
Nesse mês do orgulho, estamos em colaboração com o Coletivo AbrAce (Abrace as Bi) e a carta aberta escrita por pessoas trans em 1970 une a todes nós e nos lembra que ainda temos muito a reinvindicar como grupo, e que infelizmente muito do que nós bissexuais, assexuais e transsexuais exigiamos da sociedade ainda não melhorou e continuamos na mesma.
Dentro disso, muitas pessoas cisgêneras ainda tem dificuldade de entender a diferença entre identidade de gênero e orientação sexual, muitas vezes achando que uma pessoa trans já tem a sua sexualidade determinada por causa disso, sendo que na verdade todos temos um gênero e todos temos uma oriantação sexual. Uma pessoa trans, assim como uma pessoa cis, pode ser hetero, homo, bi, pan, ace ou qualquer outra orientação com o qual se identificar. Ser uma pessoa trans não afeta a sua orientação sexual mais do que me afeta como uma mulher cis, seja essa pessoa trans uma mulher trans, homem trans ou uma pessoa não binarie.
Quando pensamos que entender isso ainda é um problema hoje em dia, ficamos em uma situação complicada ao combinar isso à sexualidades marginalizadas até dentro da comunidade LGBTQIA+, como a bissexualidade e a assexualidade. O que ocorre nessas situações é uma invisibilização dupla e é nesse ponto específico do Jornal que quero trabalhar aqui, apesar dele inteiro ser de enorme valor, e por isso o texto original e na integra está na Bi-Blioteca no nosso site, como o texto original é de origem norte americana, ele está em inglês, contudo traduzi a última parte aqui no final do texto.
Muitos ainda hoje tentam rotular a bissexualidade como sendo transfóbica e por isso há a necessidade de uma outra sexualidade para descrever pessoas que se atraem por mais de um gênero e que não seja transfóbica, essa seria a pansexualidade. A panssexualidade é completamente válida em seus próprios méritos, mas nenhum deles é por ser uma sexualidade monodissidente que não seja transfóbica, porquê a bissexualidade também não é e nem nunca foi, esse Jornal nos traz isso.
A assexualidade por sua vez é posta a discussão até hoje, quando pessoas tentam medicalizar essa sexualidade e duvidam de sua existência, dizendo que ela seria uma desregulação hormonal, que seria uma sexualidade nova, de pessoas da última geração, ou então que ela é uma sexualidade branca; e mais uma vez, este jornal rejeita essa ideia.
“NÓS COMPARTILHAMOS DAS OPRESSÕES DE GAYS E NÓS COMPARTILHAMOS DAS OPRESSÕES DAS MULHERES.
A Liberação trans inclui travestis, transsexuais e intersexuais de qualquer manifestação, assim de como todas as orientações – heterossexuais, homossexuais, bissexuais e assexuais.”
Este é um parágrafo traduzido livremente retirado logo após a finalização das demandas do grupo. Este é um grupo trans, que tem membros negros, e foi escrito em 1970, cinquenta anos atrás e este grupo ressalta a existência de pessoas trans que são bissexuais e assexuais.
As nossas sexualidades existem, elas sempre existiram, talvez não com este nome, talvez não reconhecido por alguns grupos, mas sempre esteveram aí. A nossa sexualidade nunca foi transexcludente e ela também não é branca. É cansativo ter que repetir tudo isso cinquenta anos depois e ainda ter que reforçar para todos que as nossas sexualidades são válidas e existem, não são transtornos, nem são criações do século 21.
É cansativo ver pessoas colocando a bissexualidade até hoje como binária, sendo que ela nunca foi, ou até mesmo sendo transfóbicos com pessoas não binaries, dizendo que eles também são uma criação do século 21 ou resumindo seus gêneros à performance de gêneros que elus performam. É cansativo e é ainda mais quando um deputado em pleno 2020 escreve um projeto de lei tentando “determinar que tanto o sexo biológico como as características sexuais primárias e cromossômicas definem o gênero do indivíduo no Brasil”.
Este texto é extremamente rico e ele toca em diversos outros pontos muito relevantes, como o preconceito que pessoas trans sofrem dentro da comunidade LGBTQIA+, que é outra coisa que não mudou muito no último meio século. Eles nos relembram que há menos desse tempo, existiam leis contra transsexuais (1ª Demanda) e que pessoas trans ainda eram aprisionados em manicômios e prisões simplesmente por serem trans (7ª Demanda), e é uma história que não podemos esquecer, é uma história muito recente e direitos são revogados de uma forma muito simples.
Segue a tradução da parte inferior do texto:
LIBERAÇÃO TRAVESTI E TRANSSEXUAL
A opressão contra travestis e transsexuais vindas de qualquer dos gêneros deriva de valores sexistas e está opressão é manifestada por homossexuais e heterossexuais de ambos os gêneros, na forma de exploração, ridicularização, assédio, espancamento, estupro, assassinatos, uso de tropas de choque, vítimas sacrificiais e outros.
Nós rejeitamos todos os rótulos ou “estereótipos”, “doente” ou “mal ajustado” de pessoas não travestis ou não transsexuais e desafiamos qualquer tentativa de reprimir nossas manifestações de pessoas trans e travestis.
A Liberação Trans começou em 1969 quando “Queens” foi formada em Nova Iorque e começou a militar por direitos igualitários. Sua formação começou a partir das organizações: A Organização Associação Travesti-Transsexual (TAO formado em Los Angeles, As coquetes em São Fransisco, Ação Revolucionária das Travestis de Rua (STAR) em Nova Iorque, Fems contra o sexismo, Travestis e Transexuais (TAT) também formado em Nova Iorque, Queens Radicais. “Queens” se transformou em “Fronte de Libertação Queens”.
Travestis – transsexuais – homossexuais são movimentos de luta separados. Valores sexistas classificam incorretamente qualquer homem que vista roupas femininas como homossexual, e num nível menor, qualquer mulher que vista roupas masculinas como homossexuais.
DEMANDAS:
Abolição de todas as leis contra drag e restrições de uso de roupas e assessórios.
O fim da exploração e descriminação dentro da comunidade gay.
O fim da prática explorativa de médicos e psiquiatras que trabalham na área de transexualidade e travestilidade. Tratamentos hormonais e cirurgias de redesignação de gênero devem ser gratuitos e oferecidos pelo Estado.
Centros de assistência a transsexuais deverão ser criados em todas as cidades com mais de um milhão de habitantes, sob a direção de uma pessoa transsexual.
Travestis e Transsexuais deverão ter completa igualdade de direitos em todos os níveis sociais e poder de voz para denunciar as violências de todas as populações oprimidas.
Travestis que existem como membros do outro gênero anatomicamente deverão obter identificações como o gênero oposto. Transsexuais deverão poder obter essas identificações de seu novo gênero sem dificuldades e não deverão ser solicitados a ter uma identificação especial por serem transsexuais. Não deverão ter requerimentos de licenças especiais para transsexuais que trabalham na indústria do entretenimento.
Soltura imediata de todas as pessoas travestis e transsexuais encarceradas ou internadas em manicômios por sua identidade de gênero.
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