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  • Foto do escritorKaique Oliveira Fontes

Marielle, bissexual: presente!

Atualizado: 7 de set. de 2020

Por Kaique Fontes.


"O lugar de mulher, mulher negra, bissexual, agora estou casada com uma mulher, mas tenho uma filha. Dessas muitas representações a gente vai aprendendo, conhecendo e estudando mais." [1]


No momento em que começo a escrever esse texto, fazem exatos 828 dias da morte de Marielle Franco e quando ele estiver sendo publicado, serão 835. Chega a ser doloroso escrever isso, expor esses números dessa maneira, mas é necessário lembrar que o crime segue impune. O objetivo desse texto no mês de junho, de todos os outros possíveis, é trazer a memória de uma mulher que foi símbolo de orgulho não apenas pelo trabalho impecável que realizou em vida, mas também por tudo que representou e continua representando para nós até hoje.


Marielle Francisco da Silva (1979-2018), nascida em uma das favelas do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, começou a trabalhar desde cedo ajudando seus pais num camelô, tendo posteriormente sido dançarina da Furação 2000, até que aos 18 anos começa a trabalhar como educadora infantil numa creche. Marielle deu à luz a sua filha Luyara aos 19, quando era casada com seu primeiro marido, Caco. No mesmo ano foi aluna da primeira turma de cursos populares oferecidos aos jovens do Complexo da Maré. Se formou em Ciências Sociais pela PUC-Rio, sendo bolsista do ProUni e realizou mestrado em Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense (UFF).



Foto de Marielle.


Seu histórico de luta pelos direitos humanos é ligado a um evento traumático de sua adolescência, onde uma amiga do curso comunitário que havia acabado de ser aprovada na universidade morre por uma bala perdida, em decorrência de confronto entre policias e traficantes. Tarcísio Motta, vereador do PSOL e amigo de Marielle relata o papel que o cursinho teve em "despertar sua consciência [de Marielle] para o mundo". [2]


Em 2004, envolvida também nas lutas LGBTQIAP+ enquanto mulher assumidamente bissexual, Marielle começa a se relacionar com Mônica Benício. Sua carreira política se inicia em 2006 ao integrar a equipe de campanha de Marcelo Freixo à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ). Com a posse de Freixo, Marielle se torna assessora parlamentar do deputado [3]. Mais tarde assume a coordenação da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, onde passa a prestar auxílio jurídico e psicológico para famílias afetadas por confrontos policiais dentro das favelas, prestando auxílio também a policiais vitimados. Sua primeira disputa eleitoral só chega em 2016, sendo eleita vereadora na capital fluminense com mais de 46 mil votos, sendo a segunda mulher mais votada para o cargo em todo o Brasil no mesmo ano.


Na Câmara Municipal, Marielle trabalhou ativamente na denúncia das violações dos direitos humanos e foi linha de frente nas críticas em relação às intervenções federais nas favelas do Rio de Janeiro, tendo presidido também a Comissão de Defesa da Mulher. Trabalhou na coleta de dados sobre a violência contra as mulheres, lutou pela garantia ao aborto e incentivou a entrada de mulheres na política. Em um ano de mandato, redigiu 16 projetos de lei aos quais dois foram aprovados, sendo estes a regularização do serviço de mototáxi e a Lei das Casas de Parto, com o objetivo de fornecer a realização de partos normais humanizados. Marielle tentou incluir o Dia da Visibilidade Lésbica no calendário municipal em agosto de 2017, mas a proposta não foi aprovada por 19 votos a 17 [4] e [5].


Enquanto bissexual, trans e negre; para mim e para muitas outras pessoas Marielle foi uma das referências que mais se destacou em termos de identificação. Nos falta lembrar de nomes nacionais nas lutas pelos direitos LGBTQIAP+ e Marielle, para nós bissexuais, deveria ser um dos primeiros nomes na ponta da língua. Esse texto serve para nos lembrar disso.


Nos espaços de discussão da comunidade, Marielle sempre é ponto de dúvida. Temos bissexuais falando sobre sua importância enquanto representante da visibilidade que sempre tentamos reivindicar, há lésbicas tratando seu trabalho e seu último relacionamento amoroso como provas de uma possível monossexualidade, há representantes políticos gays que gritam “Marielle Presente” em trio elétrico na Parada de São Paulo – na frente do Bloco BiPanPoli – chamando a atenção para o fato de que Marielle, “mulher lésbica”, estaria feliz de participar do evento se estivesse viva. Meu ponto aqui é justamente que não há dúvidas sobre a importância de Marielle na luta das mulheres lésbicas e na luta por direitos que incluam o nosso bem-estar enquanto comunidade, MAS que também não há dúvidas sobre onde Franco se encaixa nessa sigla.


No texto publicado pela Folha de Pernambuco com a manchete “Família de Marielle reivindica legado e bissexualidade da vereadora” [6], Luyara, filha de Marielle, afirma ter sido chamada de homofóbica por defender a bissexualidade da mãe e comenta sobre como as pessoas assumiam que por sua mãe ser casada com uma mulher, tinha tido sua filha por inseminação artificial.


Além de toda a pressão política que sua família sofreu e da tokenização sobre as reivindicações políticas de Marielle, podemos observar como o monossexismo e a bifobia não conseguiram deixar em paz a memória de uma mulher que representa muito para muites, não apenas para algumes. “Mulher, negra, favelada, bissexual, pensadora. Marielle Franco era muitas” [7].


Que nesse mês do orgulho reconheçamos a importância e o exemplo de luta que Marielle foi em sua completude. Marielle era mulher negra, periférica, bissexual, ativista dos direitos humanos, mãe e não caberia em apenas uma ou duas caixas. Foi tudo isso e teria sido mais, dada a oportunidade. Temos que nos propor a mantê-la viva em nossas memórias sem que para isso, tenhamos que apagar quem ela foi por conveniência política e muito menos por bifobia.


A Marielle que hoje vocês gritam estar PRESENTE, foi uma mulher bissexual. E isso não será apagado.


Referências

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