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Como eu me descobri bissexual

Este é o primeiro texto da retomada que pretendemos fazer com o Bi-Sides sendo propagador de textos e conteúdos de militância monodissidente (eventualmente teremos um texto só sobre monodissidência).


Zero Miranda: ensino, música, escrita, jogos, bissexualidade, idiomas e eternas viagens. Falo sobre tudo isso e também sobre transtornos psicológicos.


 

Sei que Setembro já passou, e que eu já falo disso o tempo todo, mas me pediram para falar sobre algo específico, então aqui estou eu. Hoje vou falar sobre bissexualidade.


“Nossa, Zero bissexualidade, que novidade! 😮”


É, eu to ligado. Mas hoje, especificamente para atingir meu objetivo, vou falar (bastante) sobre mim. O texto ficou grande, então caso esteja com preguiça, pode passar direto.

O que eu sinto sobre ser bissexual?

Eu não sei o que sentir. Eu gosto de homens e de mulheres, o básico que pessoas bissexuais costumam dizer por ser mais fácil. Apesar de ser muito mais que isso, eu não sei o que mais dizer. Porém até eu chegar a essa indiferença, eu passei pela falta de conhecimento sobre mim mesmo.


Eu sempre fui bissexual, não consigo me lembrar ou sequer imaginar um momento de minha vida, desde que nasci, em que eu não fosse ou mesmo que não soubesse ser bissexual, porém a palavra nem sempre existiu para mim. Então, o que eu era antes de conhecer a palavra “bissexual”?.


Desde criança, eu sentia “coisas” por meninas, e também por meninos. Eu sabia disso, mas não sabia como isso era possível. Gostar dos dois ao mesmo tempo não era uma possibilidade para mim, não passava pela minha cabeça, então conforme eu fui tendo experiências (de paixonites a beijos), fui ficando cada vez mais CONFUSO. Confusão é uma palavra que traz medo, principalmente quando se trata de bissexualidade, pois as pessoas tendem a nos ver dessa forma, e acham que ser confuso é ruim, e portanto nós mesmos começamos a achar que sermos confusos seria algo ruim, e se nos sentimos confusos por algum momento, nos castigamos por isso. E foi por isso que passei. Na minha mente de criança, eu tinha “eu sou hétero, eu gosto de meninas. Mas eu também sinto ‘coisas’ por meninos e escondo isso, então acho que sou gay. Mas o que senti por fulana 1 e fulana 2 foi verdadeiro e real, então na verdade eu sou hétero mesmo. Ainda assim…”.


E foi nesse paradoxo que fiquei por ANOS. Nunca me foi dito que as duas coisas poderiam coexistir, nunca me foi dito que bissexualidade existia, não vi pessoas bissexuais na televisão falando sobre isso (salvo cenas do filme do Cazuza, que não assimilei muito na época). Mesmo contatos básicos como, por exemplo, a música “Meninos e Meninas” da Legião Urbana (de quem sempre fui muito fã), eu não me lembro sequer de ter ouvido durante a infância ou pré-adolescência. Tenho certeza de que ouvi a música depois dos 15 somente. Mas se foi dessa forma, como eu sou bissexual? Como eu descobri que é possível ser bissexual?


Conforme fui chegando na adolescência, a palavra veio surgindo aos poucos, porém não para mim. “Bissexual” era quem era sujo, nojento, promíscuo. Era quem tinha relações com um homem e logo em seguida tinha relações com uma mulher que não gostava de homens. Essa e outras “explicações” foram chegando até mim, e aos poucos me afastando da palavra, pois não me contemplava, não era o que eu fazia (principalmente pela idade).




Lembrei o nome do filme: Dodgeball (a moça loira do time amarelo é bi)


Representações foram surgindo aos poucos, apesar de eu não me lembrar de muitos casos específicos além da música do Renato Russo (que era bissexual), eu vi pessoas bissexuais *existindo*. Me lembro de algum filme de comédia sobre esportes, em que o protagonista está a fim de uma colega de equipe, mas ouve rumores de que ela é lésbica. No final do filme, ela beija a namorada dela e a apresenta a ele, ele fala sobre ela ser lésbica e ela responde “eu não sou lésbica”, então eles se beijam e ela diz “eu sou bissexual”. Além do contato com personagens fictícios, ouvi falar e até conheci ou descobri que pessoas que eu conhecia já haviam se relacionado com mais de um gênero. Isso sempre me chamou a atenção, mesmo que eu não entendese exatamente por quê. Aos poucos, eu fui percebendo que havia uma ligação entre esse interesse nesses assuntos e a minha confusão entre “hétero, não, gay, não, hétero, não, gay, não…”.


O ponto principal em que acho que foi quando finalmente percebi “carai, mano, eu sou bi!” foi quando comecei a suspeitar de que uma amiga minha era bi. Eu sabia que ela já havia se relacionado com rapazes, mas suspeitava que ela estava ficando com uma menina, e por sermos muito amigos, queria que ela se sentisse à vontade para falar sobre isso comigo, e tentava demonstrar que era ok falar comigo porque eu… eu também… Eu o quê? O que eu era?


Pensar sobre ela me fez pensar mais sobre mim, me fez perceber e lembrar de todas as vezes da minha vida em que eu senti ou fiz algo com meninas e com meninos, e foram até muitas, considerando que eu tinha uns 14 anos. Eu já sabia o que era ter paixonites, beijar ou até namorar (mesmo que na maioria dos casos, virtualmente) moças e rapazes. Mas saber que era possível e que estava tudo bem eu fazer as duas coisas durante minha vida, e ainda por cima ter uma palavra da hora e exclusiva pra quem é assim, E QUE EXISTIAM OUTRAS PESSOAS ASSIM… Foi mágico. Deu medo, demorou, foi estranho, mas aconteceu. Eu descobri que eu era bissexual, e que eu sempre fui por todos os dias da minha vida, e que finalmente as coisas na minha mente tinham algum sentido, porque era isso que eu era: bissexual.


Desde então, ter contato com outras pessoas bi; ter momentos de total autoaceitação, conforto e alegria comigo mesmo; ser questionado, mesmo que de maneira inconveniente; ter momentos de confusão e frustração maiores do que já havia tido antes; sofrer bifobia; voltar a me sentir bem comigo mesmo; entrar em grupos de apoio e em discussões sobre bissexualidade; voltar a ter crises de confusão e desconforto; descobrir que tenho mais amigos e familiares que ficam com pessoas de mais de um gênero; entre outras coisas, me fez ser quem eu sou hoje, moldou meu caráter e a forma com que me relaciono (de todas as formas) com outras pessoas e o que eu espero para meu futuro.


Eu passei por tudo isso e por mais, e não foi fácil. Hoje em dia, vejo pessoas, conheço pessoas que passam por situações semelhantes. Não necessariamente elas são bissexuais, não necessariamente elas precisam de uma palavra ou de uma definição para o que elas são, mas esse é um dos motivos de eu escrever esse texto, de eu me abrir dessa forma. Para todas as pessoas que não sabem o que são, que achavam que eram hétero, mas se descobriram bi; que achavam que eram gays e se descobriram bi; que achavam que eram bi e se descobriram gays; que são 100% one hundred percent ultra mega bissexuaizões da p#$%@; que não sabem muito bem e têm medo de falar sobre o assunto; para todas as pessoas que se descobriram pansexuais, assexuais, demissexuais; para você, que não é bi, mas está lendo isso.


Esse é um texto que eu gostaria que meu eu do passado tivesse lido, que escrevo diretamente para pessoas que precisam de informação (e já me pediram conselhos, ou já puxaram assunto, ou postaram em algum grupo de apoio), que precisam de ajuda para se descobrirem, e que se eu puder ajudar pelo menos um pouquinho, eu vou, e com muito orgulho!

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