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Bis tem o que comemorar no 17 de maio?

Hoje, 17 de maio, é o Dia Internacional de Luta Contra a LGBTIfobia. Porém, ao pesquisar pela data no Google, o mais comum é ler que é o "Dia Internacional de Combate à Homofobia" (alguns sites acrescentam "e à Transfobia").


Pode parecer pouca coisa, mas é ao mesmo tempo causa e consequência da invisibilização das vidas e demandas de pessoas bissexuais, e de todas aquelas que por viverem atrações por mais de um gênero, enfrentam diariamente diversos preconceitos e discriminações.


Na programação que comemora a data, pautas bissexuais são pouquíssimo lembradas, assim como nas demais atividades de organizações e coletivos que se dizem LGBT porém parecem sempre ignorar o B da sigla.


Tal fato traz consequências reais para nós. É muito significativo pensar que o 17 de maio foi escolhido para comemorar a decisão da Organização Mundial da Saúde em 1990 de desclassificar a homossexualidade como um distúrbio mental da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID), uma das primeiras grandes conquistas da comunidade e do ativismo LGBT+.


No entanto, ainda hoje é comum que profissionais da Psicologia e Psiquiatria enxerguem a bissexualidade de pacientes como uma questão a ser resolvida, um sinal de problemas emocionais ou mesmo um sintoma de algum distúrbio psiquiátrico. Não são incomuns diagnósticos nos quais a sexualidade é usada como critério. Beira o caricato, como manual de psiquiatria clínico brasileiro que diz que a bissexualidade só é sintoma de transtorno psiquiátrico "quando há atração pelos dois sexos" (ou seja, a bissexualidade só é problema quando é bissexualidade).


Em preparação para um evento que o Bi-Sides realizou em conjunto com o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, em 2016 (que você pode ver aqui) reunimos relatos assustadores de pessoas que, ao buscar alívio para seu sofrimento psíquico, se depararam com invalidação e patologização.


De diagnósticos de transtorno psiquiátrico devido à "sexualidade confusa" a afirmações do tipo "Quando acertamos a dose do remédio pro seu transtorno bipolar essa coisa de bissexualidade vai passar" e "Você acha ser bissexual por ter passado por um estupro, a meta da terapia vai ser descobrir se você é hétero ou lésbica".


Estes são exemplos mais violentos, porém também não é incomum que profissionais orientem a terapia no sentido de levar pacientes a "se descobrirem" gays ou lésbicas.

Inclusive, estudos feitos depois dos anos 2000 em lugares como EUA e Inglaterra descobriram que psicoterapeutas atribuíam mais estereótipos negativos a pacientes fictícios bissexuais do que a pacientes fictícios gays ou lésbicas. É deprimente ler que em 2001, mais de uma década após a homossexualidade deixar de ser considerada oficialmente uma doença, um estudo norte-americano descobriu que mais de 25% dos psicólogos ouvidos por ele consideravam a bissexualidade dos pacientes relevante para a terapia, um sexto a enxergava como sinal de doença mental, 7% haviam tentado converter pacientes à heterossexualidade e 4% à homossexualidade.


Essa última afirmação escancara o quanto falar em "combate à LGBTfobia" ou "respeito à diversidade" sem ouvir pessoas bissexuais sobre suas demandas específicas muitas vezes cria ambientes que se consideram respeitosos da diversidade, porém na prática são danosos a muita gente.


Vale lembrar que não há nenhuma regulamentação específica do Conselho Federal de Psicologia sobre formas adequadas de lidar com a bissexualidade, já que sua Resolução 01/99 (pioneira no mundo) ao mencionar somente "homossexuais" e "homossexualidades", não evita, por exemplo, a tentativa de "conversão" de pacientes à homossexualidade (o que não quer dizer que o profissional que assim age não esteja violando o Código de Ética da profissão. Destacamos apenas a ausência de regulamentação específica sobre o assunto).


A invisibilidade das pautas bissexuais também fica patente quando se discutem políticas públicas. Órgãos como conselhos LGBT muitas vezes não tem representantes bissexuais, não buscam a opinião de pessoas bissexuais, e tem até mesmo formulações explicitamente bifóbicas. O Comitê Técnico de LGBT, espaço consultivo da gestão para acompanhamento e monitoramento da implantação e da implementação da Política Nacional de Saúde de LGBT, tinha, em sua representação da sociedade civil, duas lésbicas, dois gays, uma mulher transexual, um homem transexual e uma travesti. Como é possível fazer políticas públicas que literalmente tem a ver com preservar as nossas vidas enquanto se ignora por completo as vozes bissexuais?


O primeiro edital para o Conselho Municipal da Diversidade em São Paulo previa 02 vagas para lésbicas, 02 para gays, 01 para mulher trans OU bi, 01 para homem trans OU bi. Na cabeça de quem o formulou, era perfeitamente possível ter um órgão para a defesa de pessoas LGBT sem a presença de todo um grupo abrangido pela sigla LGBT.

É bifobia escancarada, institucional, estatal, e mesmo assim temos que ouvir que "bifobia não é opressão".


Os espaços ditos "LGBT" muitas vezes são hostis ás pessoas bissexuais. Basta lembrar que o Bloco BiPanPoli da Parada LGBT de São Paulo (conquistado com muito esforço pela comunidade), apesar de parte oficial da Parada desde 2018, não recebe verba da organização do evento para coisas essenciais como cordão de isolamento e sequer constou da lista oficial de blocos divulgada pela organização em 2019. Um apagamento enorme na maior Parada LGBT do mundo.


Quantas vezes vocês ouviram, nas discussões recentes sobre a proibição de doação de sangue por homens que fazem sexo com homens, o impacto disso sobre a companheiras de homens bissexuais? Sim, a norma que proíbe a doação de sangue por homens que fizeram sexo com homens nos 12 meses anteriores á doação também abrange as parceiras deles. Fato totalmente ignorado na discussão sobre o tema, contribuindo pra que um problema que afeta muito mais do que apenas homens gays seja visto como uma "questão gays"


SIM, BIS TEM O QUE COMEMORAR NO 17 DE MAIO


Lendo tudo aí em cima, pode parecer que não temos motivos pra comemorar nesse 17 de maio. Nada mais longe da verdade.


Quando o Bi-Sides começou, em 2010, mal sabíamos se algum dia viríamos a ser um coletivo. A ideia de ter um site que reunisse conteúdo bi em português já era revolucionária no cenário de total invisibilidade no qual vivíamos. Não se usava a palavra "bifobia", a bandeira bi não era conhecida, não haviam cores que pudéssemos reconhecer em uma multidão como pertencentes a nossos irmãos e irmãs.


10 anos depois, temos um projeto presencial de validação de experiências bissexuais que, desde novembro de 2017, oferece em São Paulo um espaço de acolhimento mediado por psicólogues a qualquer pessoa com atração por mais de um gênero, experiência sobre a qual já publicamos, compartilhando o conhecimento com o mundo (e que após a quarentena pretende voltar com mais profissionais e mais um local para encontros).


Temos um cadastro de profissionais e serviços de saúde mental com preparo para atender pessoas com atração por mais de um gênero, que estamos atualizando pra que fique mais fácil encontrar quem está atendendo online na pandemia.


O Conselho Federal de Psicologia se mostrou receptivo às demandas do movimento e a uma discussão mais ampla sobre nossas vivências e necessidades.


Vimos ativistas bi organizando Grupo de Trabalho Bissexual e ocupando o microfone na Caminhada Lésbica e Bissexual de São Paulo, semanas e meses da visibilidade bi em vários lugares do país, seminários sendo organizados, ativistas do Bi-Sides e de outros coletivos falando em faculdades, ocupações, reportagens, trabalhos universitários. Vimos produção acadêmica sobre bissexualidade sendo feita por pessoas bi, TCCs e teses de mestrado que fogem ao olhar de não bissexuais que nos viam como objetos exóticos de estudo.


Vimos surgir coletivos como a Frente Bi de BH, o Coletivo Bil, o Combi, o Coletivo Amora.


Temos um grupo no Facebook com mais de 4 mil pessoas, em que pessoas podem conversar sobre sua sexualidade e afetividade e encontrar um espaço virtual de acolhimento.


Vimos nossas cores se popularizarem, vimos uma comunidade bissexual se firmar, vimos pessoas antes isoladas e solitárias encontrando um lugar.


Estamos com vocês nessa luta, e deixamos aqui algumas imagens de membros do coletivo pra nos lembrar que nesse período de isolamento vocês não estão sós.



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